Este artigo tem como objetivo abordar os hidratos de carbono não só como um macronutriente, mas também como um fator importante na performance desportiva e no bem-estar físico e psicológico da população geral.
1) Tipo e fontes de Hidratos de carbono (HC)
Os HC são átomos de carbono, hidrogénio e oxigénio ligados entre si por ligações simples.
As 3 principais classificações dos HC incluem monossacarídeos (açúcares como a glicose e a frutose), oligossacarídeos (dissacarídeos como a sacarose, a lactose e a maltose) e polissacarídeos que contêm 3 ou mais açúcares simples (produzindo amido, fibras vegetais e glicogénio).
2) Consumo recomendado de HC
As recomendações para o consumo de HC variam de acordo com o indivíduo, desporto que pratica, idade, sexo, peso, entre outros fatores.
De uma perspetiva geral, o consumo para uma pessoa de 70kg deve ser cerca de 300gr (30 a 40% das calorias totais).
Pessoas mais ativas fisicamente devem consumir cerca de 60% das calorias totais (400 a 600gr).
Em momentos de exercício físico intenso, as necessidades aumentam para 70% das calorias totais (8 a 10g/kg de peso corporal).
3) Funções dos HC
Os HC são fonte de energia, de preservação de proteína, são iniciadores do catabolismo das gorduras e são o combustível único para o sistema nervoso central (SNC).
3.1) Fonte de energia
Como fonte de energia, os HC atuam como combustível energético, principalmente durante a atividade física intensa.
A energia proveniente do catabolismo da glicose e do glicogénio muscular aciona os componentes contráteis do músculo.
Um consumo diário suficiente mantém as reservas diárias de glicogénio.
Quando as células estão com o armazenamento de glicogénio cheio, os açúcares em excesso convertem-se em gordura (isto explica o porquê de certas dietas ricas em HC aumentarem a gordura corporal, mesmo que o consumo de lipídios seja mínimo).
3.2) Preservação de proteína
Como preservador de proteína, o consumo de HC é muito importante porque quando o corpo está com as reservas de glicogénio em baixo, o catabolismo das gorduras é estimulado e ocorre formação de glicose a partir do reservatório de aminoácidos, o que irá promover a diminuição da proteína, principalmente a proteína muscular.
As unidades contráteis são formadas por aminoácidos, os quais estimulam a síntese proteica quando ingeridos em quantidades suficientes. Para além disso, a síntese proteica é um processo anabólico, logo necessita de combustível para ser realizada. Os HC asseguram essa função de combustível e reduzem, ao mesmo tempo, os indicadores catabólicos, permitindo uma recuperação mais rápida.
3.3) Substrato iniciador da oxidação das gorduras
Quando ocorre o catabolismo dos HC, os produtos provenientes dessa fase são usados como substratos iniciadores da oxidação das gorduras.
Se não houver degradação suficiente de HC (quer por dieta inadequada quer por exercício físico prolongado), a mobilização das gorduras ultrapassa a sua oxidação, promovendo a acumulação de corpos cetónicos. Quando estes são acumulados em excesso, as cetonas aumentam a acidez dos líquidos corporais, produzindo uma condição ácida potencialmente prejudicial (acidose).
3.4) Combustível único para o SNC
Em condições normais, o encéfalo metaboliza quase exclusivamente a glicose do sangue como fonte de energia.
Em situações descontroladas de diabetes, o encéfalo adapta-se após 8 dias e começa a metabolizar quantidades maiores de gordura sob a forma de cetonas.
Em situações de hipoglicemia prolongada, a fraqueza, fome, confusão mental e tontura estão presentes e contribuem para a fadiga do SNC. Uma hipoglicemia persistente e profunda pode levar à perda de consciência e produzir dano cerebral irreversível.
4) O papel dos HC na performance desportiva
A Intensidade e duração do esforço e a aptidão e o estado nutricional determinam, em grande parte, a mistura de combustíveis durante a atividade física.
O fígado aumenta a libertação de glicose para ativar o músculo. Simultaneamente, o glicogénio muscular é a primeira fonte de energia (no início e à medida que a intensidade aumenta).
Os HC são a fonte principal de energia quer seja na atividade aeróbica intensa, quer seja na atividade anaeróbica.
Durante o exercício, se a concentração sanguínea de glicose estiver boa, por feedback, vai regular a produção e libertação de glicose pelo fígado.
Uma boa disponibilidade de HC durante o exercício ajuda a regular a mobilização da gordura e o seu uso para obter energia.
À medida que o exercício prossegue, a glicose é transportada pelo sangue e vai sendo usada como combustível metabólico.
1h de atividade física intensa diminui o glicogénio hepático em cerca de 55%; um treino intenso de 2h esgota quase por completo o glicogénio do fígado e dos músculos ativos.
A velocidade de transferência de energia usando os HC é 2x mais a velocidade das gorduras ou das proteínas.
Passadas as 2h, quando o glicogénio muscular já esgotou, o atleta só consegue manter 50% da intensidade inicial do exercício porque a gordura passa a ser a principal fonte de energia e a taxa de libertação de energia a partir da gordura é mais lenta.
Como vimos, ao longo do treino o glicogénio muscular vai sendo gasto. No fim do treino, é necessário repor os níveis de glicogénio e é aí que os HC também têm um papel fulcral na regeneração. Essa regeneração é mais rápida nas primeiras 2h após o treino, porque é quando os transportadores GLUT-4 estão em maior densidade na membrana celular do músculo por causa do stress energético e metabólico induzido pelo exercício.
Contudo, a regeneração total não necessita obrigatoriamente de ocorrer nessas primeiras horas, a menos que os atletas façam treinos bidiários.
5) O papel dos HC no bem-estar físico e psicológico
OS HC fornecem glicose, o substrato de eleição do cérebro.
Segundo a evidência científica, os HC simples estão associados a uma deterioração da memória, podendo aumentar a produção cerebral da serotonina, a qual poderá estimular um consumo excessivo de outros HC simples em indivíduos com alterações no humor.
Por outro lado, os HC complexos têm mais fibra e HC não digeríveis. Este nutriente é substrato de muitas bactérias intestinais que produzem ácidos gordos de cadeia curta, com efeito anti-inflamatório no cérebro.
Estudos em roedores e humanos mostraram que alimentos ricos em gordura estimulam a libertação de cortisol (hormona diretamente envolvida na resposta ao stress). Com refeições ricas em proteína ou HC, após uma tarefa stressante, essa libertação de cortisol não se verificou.
Num estudo feito em 2007 comparou-se dietas LCHF (baixa quantidade de HC e alta quantidade de gordura) com HCLF (alta quantidade de HC e baixa quantidade de gordura) no humor e na função cognitiva
Foram estudados 93 pacientes obesos ou com excesso de peso. Todos foram submetidos a uma dieta com défice calórico, mas uns tinham uma dieta LCHF e outros HCLF.
Ambos os grupos mostraram melhorias no bem-estar psicológico e ambos os grupos perderam peso.
Contudo, o grupo com a dieta LCHF teve uma melhoria menos significativa no humor e na função cognitiva.
Isto mostra o quanto a presença de HC pode modificar o estado psicológico e emocional dos pacientes. E mostra também que uma dieta rica em HC, desde que se verifique o défice calórico, é eficaz para a perda de peso e para os resultados a longo prazo.
O consumo de fibras, particularmente fibras de cereais integrais, está associado a uma menor ocorrência de obesidade, inflamação sistémica, resistência à insulina e diabetes tipo 2, hipertensão arterial, síndrome metabólico, distúrbio no sistema digestivo, níveis sanguíneos elevados de colesterol, cancro colorretal e cardiopatia. (livro)
Como podemos verificar, os HC são um dos macronutrientes mais importantes, quer pela sua função no exercício físico, mas também pela sua função na vida diária da população (no seu bem-estar físico, psicológico e emocional).
Aqui abordamos as várias funções deste macronutriente e destacamos também os tipos de HC, o seu consumo recomendado e as suas fontes.
Como podemos ver neste artigo, a evidência científica demonstra o quanto uma dieta com uma boa quantidade de HC pode ditar o desfecho quer da performance desportiva num determinado desporto, quer da performance emocional numa determinada fase da nossa vida.
Por isso, antes de começares a fazer dietas com baixa % de HC, lembra-te deste artigo e da importância deste macronutriente para o sucesso do teu futuro (em todos os patamares da tua vida).
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